A prorrogação da vigência da norma sobre gerenciamento de riscos ocupacionais (NR-1) de empresas para 2026 deu um prazo maior para a adaptação das organizações às novas exigências, que têm o objetivo de proteção da saúde mental dos trabalhadores. Porém, o setor econômico ainda tem preocupações em relação ao texto e dificuldade de interpretar a maneira como fazer mudanças, sem representar insegurança jurídica.

Empresas têm preocupações de como se adaptar às exigências da NR-1tadorA coordenadora do Núcleo Jurídico Sindical Trabalhista da Fecomércio RS, Íris Vidaletti, aponta que muitos empresários manifestaram preocupação por não saberem ao certo todas as situações que devem ser observadas no mapeamento dos riscos e tudo que pode gerar uma autuação. “O Ministério do Trabalho reconheceu que o prazo era curto, mas ainda existem muitas dúvidas sobre o texto e estamos indo atrás da adequação. Os exemplos amplos podem acabar gerando interpretações subjetivas na fiscalização, o que representa insegurança jurídica para as empresas”, explicou a coordenadora. Diante disso, a estratégia da entidade tem sido educar, oferecendo palestras, seminários e capacitações para preparar esses profissionais para as mudanças e auxiliar na transição.

Mesmo concordando com a importância de avaliar os riscos psicossociais, a Fecomércio-RS aponta que as mudanças a serem feitas demandam tempo, investimento e avaliações criteriosas por parte das empresas. Como a autuação pela Inspeção do Trabalho só terá início em 26 de maio de 2026, durante este ano, será feito um processo de implantação educativa, segundo o MTE. O objetivo é proporcionar às empresas um período de adaptação para que os processos sejam ajustados e ambientes de trabalho mais seguros sejam promovidos.

A mudança colocada pela NR-1 vem após um crescimento expressivo nos afastamentos por transtornos emocionais. Só em 2024, o número de licenças por ansiedade e depressão aumentou 67% em relação ao ano anterior, totalizando 472,3 mil casos, segundo o INSS. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 301 milhões de pessoas vivem com transtornos de ansiedade e 280 milhões com depressão em todo o mundo.

Na prática

Os fatores psicossociais no trabalho são situações que envolvem a maneira como as atividades são planejadas, organizadas e executadas. Quando não são bem conduzidas, podem prejudicar a saúde mental, física e social dos trabalhadores. Exemplos incluem metas difíceis de cumprir, excesso de trabalho, assédio moral, falta de apoio dos chefes, tarefas repetitivas ou solitárias, desequilíbrio entre o esforço e a recompensa, além de locais com falhas na comunicação. Todas essas questões são medidas a partir de observação, entrevistas e questionários – o que deve ser feito agora pelas empresas. “A responsabilidade das empresas é ampliada. O objetivo é fazer uma análise preventiva dos riscos, que antes era feita a partir dos acontecimentos”, explica Íris Vidaletti

Com a mudança na NR-1, esses fatores devem constar dentro do Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR), que já contempla aspectos físicos, químicos e ergonômicos. Como a fiscalização só começa a ser feita efetivamente no ano que vem, as empresas terão este primeiro ano para mapear os riscos e fazer as mudanças necessárias internamente.

Para o advogado e sócio da Tozzini Freire Advogados, Maurício de Carvalho Góes, a questão se trata de um fator social que se torna jurídico, e a obrigação de identificar, trabalhar e prevenir riscos psicossociais também impede que esses casos sejam judicializados – o que acaba protegendo as empresas. Nesse contexto, o especialista considera que gastar mais com segurança no trabalho é um investimento e colocar a saúde mental no centro da discussão preenche uma lacuna que já é antiga. “Esse é o grande paradigma a ser quebrado nas relações de trabalho. O funcionário precisa entregar resultados, mas será que dessa forma? Sob pressão e em uma carga horária exaustiva”, reflete.

Ele ainda argumenta que a prorrogação até 2026 não deve ser vista como uma desculpa para adiar as mudanças. “Prorrogação não pode ser acomodação. O caráter experimental ao longo deste primeiro ano não quer dizer que não vai ter entrado em vigor. Minha sugestão é entrar em contato com o engenheiro que fez o PGR para organizar um plano de ação”, declara. Além disso, Maurício ressalta que vai ser necessário gastar com um planejamento estratégico que inclua uma rede de colaboração entre médicos, psicólogos e uma rede jurídica.

Preparo das lideranças

Especializada em gestão empresarial, a psicóloga Nadine Fabiani considera que a melhor alternativa é motivar as empresas para que busquem alternativas de desenvolvimento como treinamento de lideranças e adaptação dos ambientes de trabalho para deixá-los mais saudáveis. “O Brasil está adoecendo, a gente tem índices de afastamento muito altos que têm crescido ano a ano. Estamos tentando criar alternativas não só para medir e mapear os riscos, mas para fazer a manutenção”, pondera a respeito da mudança na NR-1.

Nadine possui capacitação em atendimento clínico para tratamento e intervenções de doenças no trabalho e em 2024 recebeu o Prêmio Hans Selye da ISMA-BR (International Stress Management Association Brasil) em reconhecimento à contribuição empresarial. Hoje estuda o burnout entre as lideranças e trabalha com mentorias de chefias em empresas principalmente no setor da indústria. Segundo ela, quanto maior o cargo que o trabalhador ocupa, maior a pressão e a cobrança e, por isso, as lideranças tendem a ser as primeiras a sofrer. No entanto, isso ocasiona um efeito cascata que muitas vezes afeta e sobrecarrega os outros funcionários. Entre o trabalho dela está a tarefa de fazer com que pessoas em cargos de poder dentro de um empreendimento entendam que suas lideranças não podem ser tóxicas.

A especialista foi uma das participantes do 25º Congresso de Stress promovido pela ISMA-BR, que contou com a presença de mais de 350 participantes de todas as Unidades Federativas do Brasil. Com uma programação extensa ao longo da última semana, o evento contou com palestras, workshops, debates, minicursos e exposições de trabalhos relacionados ao estresse e à saúde mental. “O congresso superou as nossas expectativas e reforça o nosso compromisso de informar e ser um canal de discussão”, afirmou a presidente da ISMA-BR, Ana Maria Rossi.

“Essa mudança na NR-1 tem tudo a ver com o que a gente tem falado na ISMA há bastante tempo. É um avanço e uma oportunidade para as empresas. Tudo isso pode ajudar a reduzir a rotatividade nos ambientes de trabalho e melhorar a produtividade”, comenta Nadine.

 

Fonte: Correio do Povo